Seu nome...


A flor surgiu grande e potente, nas suas formas a imaginei vermelha. O som das taças tibetanas ainda reverberavam pelo meu corpo. Uma outra imagem veio e rapidamente comecei a construí-la. Na sofreguidão destruí uma folha e tive que recomeçar. Aprendi a arte da dobradura quando criança, lembrei-me que costumava recolher papéis de bala pela casa e aguardava com certa ansiedade o dia de irmos para o bosque. A brincadeira era sempre soltar pequenos pássaros pelo riacho. Não sei quantas vezes eu os fiz durante a vida...

Diz a lenda que se fizermos 1.000 tsurus conseguiremos realizar um desejo... Este origami ganhou mais significado quando a pequena Sadako, com 12 anos, se viu com leucemia após a explosão da bomba cogumelo. Ela ganhou papeis coloridos de um amigo e junto o pedido pela cura. Começou a fazer os origamis de tsurus, mas quando percebeu que não conseguiria suportar a doença, mudou o pedido solicitando a "paz mundial". Morreu sem conseguir completar o número, mas seus amigos, comovidos pela situação, se juntaram e completaram a quantidade faltante e iniciaram uma campanha. Em 1958 foi inaugurado um monumento no Parque da Paz de Hiroshima, onde todos os anos ocorre uma celebração para ressaltar odara e lembrar das vítimas do bombardeio.

Tsuru é uma ave sagrada do Japão. É o símbolo da saúde, da boa sorte, da felicidade, da longevidade e da fortuna. O som das taças tibetanas são como a marola no oceano, que crescem quando seguem a direção do seu destino, transformam-se em ondas e quebram na praia assustando a criança desprevenida. A imagem da batian se tornou presente e percebi que durante muitos anos não soube o seu nome. Em casa era sempre chamada de okassan (mãe em japonês), do português pouco falava e quando chegou próximo dos noventa anos só se comunicava na sua língua nativa. Lembro do som da sua bengala, caminhava com dificuldade por conta de um desgaste no joelho. A falta de cálcio afetava seu corpo que tinha parido treze. Cuidou das netas com a intensidade de quem não pode cuidar da sua própria prole. Quando adoeceu, ocupei para que tivesse mais conforto... quando a segurava, pensava: "Como pode ser tão pesada?", cabia no meu colo adolescente. Ela morreu assustada no elevador que a levaria para mais uma cirurgia.

Não sei em quantos templos budistas eu a procurei e quantos mantras rezei. Minha relação com a cultura nipônica sempre foi antagônica, nunca aprendi a falar nirrongô, mas entendia o que a batian falava, treinada talvez. A onda cresceu. A ancestralidade ficou na minha alma, cravada pelo nome que nos une, Kimiko, Kimi e Kimie, três gerações conectadas pelo fio do bico da cegonha, o cordão nos unindo a uma única mulher.

Tsuruko era o seu nome. O grande pássaro tomou forma e a onda se quebrou na praia. O zunido explodiu em lágrimas.

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