A África é logo alí


Depois de um breve bate-papo com a moça do setor de informações, resolvemos escolher o caminho que se mostrou mais direto e rápido... os 20Km adicionais não nos parecia fazer sentido.

Naquela manhã, os rapazes estavam concentrados em preparar suas máquinas ciclísticas para um pedal cheio de testosterona, onde é claro, a ordem era medir a potência sobre as duas rodas, checar cada velocidade e a performance individual sobre o selim. Tive a sensação que se fizéssemos uma "ula" despidas de pudor, nada abalaria aquela concentração.

Por isso, eu e a Magu, decidimos fazer um passeio até o parque onde os elefantes, capturados pelos soldados ingleses na década de cinquenta, foram dizimados para uso fruto de seus marfins. Pelos nossos cálculos, pedalando apenas 26Km chegaríamos à uma árvore símbolo do local, anciã em seus seiscentos anos.

Empolgadas saímos. Um pouco de coragem, os celulares carregados e a água engarrafada faziam parte da pequena bagagem do dia. Com cinco quilômetros notamos que algo não ia tão bem assim, o mapa não mostrara o setor suburbano, cheio de crianças curiosas, palhoças e pequenos comércios, olhares por detrás das trancas e grades.

Engolimos a desconfiança e resolvemos encarar o desafio, a paisagem pequena e remelenta transformou-se em uma grande área devastada, árvores sendo tombadas... caminhões carregando as toras ladeira abaixo. O caminho transformara-se em um grande trançado, estradas e bifurcações apareceram onde outrora a linha era única. Arriscamos a perguntar, língua inglesa contra dialeto, expressões faciais e mímicas resultando em risos e na direção montanha acima.

Olhamos uma para outra e concluímos que "quem sai na chuva é para se molhar", e então, apesar dos receios, da lista de objeções do guia de viagens e da orientação mal recebida no início do dia, pedalamos ladeira acima até que o céu novamente se fechasse e o verde tomasse conta, assim saberíamos que tínhamos alcançado nosso destino.

Fomos saudadas por alguns guardas florestais. Ficamos tão pouco tempo frente a frente ao nosso objeto do desejo, que chegou ser hilário todo o transtorno que passamos para chegar até lá. Fotos, sorrisos, felicitações recebidas e o ensejo de um bom retorno. Ah! Havia o retorno...

Ainda está registrada na minha memória, toda ajuda que recebemos, o motorista que parou, o mapa entregue pelo grupo de escoteiros e o sorriso dos trabalhadores apontando a direção da nossa busca centenária.

A cor da nossa pele nos denunciava, lembrei que na cidade, a recepção do hotel havia nos impedido de sair após às 18h00, o risco de assalto, abuso e violação era iminente. O contato com a população local era rara, descobrirmos que a maioria das pessoas que nos atendia em bares e restaurantes eram refugiados, a guerra civil pipocava pelas fronteiras. O apartheid estava lá, ainda enraizado, em cada esquina, em cada olhar, em cada placa que nos avisava sobre a nossa responsabilidade de estar ali.

Algo além dos elefantes estava sendo entulhado sob as nossas narinas, passamos ilesas pelo fio da verdade, foi o que concluí ao fitar o mar, na ponta do quebra-mar, onde ainda havia um cabo da boa esperança.

Um mês após a nossa partida, o ódio explodiu. A periferia da capital ficou em chamas, homens, mulheres e crianças foram amacetados, cortados e decapitados em seus lares. Aqueles que fugiram do terror em seus países, encontraram o fim naquela noite. O ranço foi exposto na carne crua.

Guerra entre etnias é sobra, é o prato cuspido do apartheid, ninguém liga. Não houve escapatória.

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