Cem dólares

Observei o mapa e notei a distância que o separava do filho, algumas centenas de quilômetros, algo como dois estados. O pai trabalhava como motorista, o filho era estudante e a mãe havia ido embora quando o rapaz era criança.

Falou com certo orgulho da cria... já era estudante de universidade. Aquele senhor de quase cinquenta anos era quem pagava as contas, o salário me espantou, U$40,00 por mês. Na verdade, era uma boa quantia, se pensar que lá, a moeda local valia sete vezes menos do que o real e as condições eram de sobrevida.

O dinheiro chegava todo mês para o rapaz, o pai quase não o via. O corpo que guiava o carro, sabia dos pontos turísticos, cozinhava, falava bem e divertia os turistas. Talvez entendesse também de mecânica, porque ali era o fim do mundo... ouvia-se estórias de famílias inteiras que tinham sucumbido nas areias de sal.

O deserto nos prega peças, naquele caso, pelo excesso de metais abaixo de nós, a bússola não funcionava. O carro seguia a direção do horizonte, marcado pelas sombras das montanhas da esquerda e da direita. A confiança do caminho era toda dele.

Em alguns momentos durante o trajeto, aproveitei para conversar. Perguntei onde morava, o que fazia nas horas vagas e se o filho o visitava... ele sorriu e respondeu que a diversão era trabalhar porque de resto não havia nada não.

"Vivo solo en una habitación", foi o que disse. O resto era economia porque o futuro soçobrava para o  filho.

Nunca o via comer, à noite sumia por detrás do abrigo, talvez houvesse uma ala para motoristas, algo como Downton Abbey... De manhã, sempre estava a postos, carro montado e chá quente para aquecer. Para quem não sabe, no deserto as manhãs são sempre frias, resultado da inversão térmica que ocorre durante à noite.

Compartilhávamos o carro com um casal de amigos e um casal de suecos, que tínhamos acabado de conhecer. Fomos companheiros durante os cinco dias que durou a viagem. Tínhamos objetivos diferentes, nós queríamos chegar na fronteira e eles completar mais uma etapa do ano sabático, tínhamos pressa e eles mais oito meses para chegar em Goa, nosso dinheiro era limitado e o deles valia quatro vezes o nosso e quinze vezes o do motorista.

Quando chegou a hora da despedida, separaram uma nota de cem dólares. Quase três meses de salário, foi o que pensei.

Em casa, agradeci a água quente do chuveiro, as roupas limpas no armário e o nosso canto seguro. O apartamento que outrora achara tão pequeno, naquele momento ocupou um espaço de gratidão.

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